Por Fabiana Lazzari de Oliveira;
Dr. Milton de Andrade (Orientador); (PPGT-UDESC)
O teatro de animação é uma das linguagens teatrais que vem se difundindo no Brasil nas últimas décadas. Dentre as suas classificações está o teatro de sombras com suas especificações próprias. Segundo estudiosos, nas últimas três décadas, o teatro de sombra vem sofrendo uma renovação graças à tecnologia e às novas fronteiras. No teatro de sombras, um dos elementos essenciais é o ator- manipulador/animador/ sombrista[1], responsável pela manipulação do objeto/ boneco/ corpo que dará vida à sombra. Este artigo trará as primeiras reflexões sobre as relações sombrista – silhueta, sombra – corpo – voz, e como se estabelecem estas relações no processo de criação do espetáculo de teatro de sombra contemporâneo considerando os elementos necessários, entre eles: espaço, iluminação, dramaturgia, voz e cenário.
Para começarmos a refletir sobre as relações que ligam o sombrista à silhueta, à sombra de seu corpo, à sua voz, ao seu corpo e como se estabelecem estas relações no processo de criação do espetáculo de teatro de sombra contemporâneo, é importante explicitarmos algumas considerações sobre Teatro de Sombras Tradicional e Teatro de Sombras Contemporâneo.
Segundo Valmor Beltrame (2005:40) historiadores, como Meher Contractor, diz que o Teatro de Sombras iniciou-se na Índia, já para Max Von Boehn, o berço desta tradição é a China. “Cada um dos historiadores apresenta dados, silhuetas antigas que datam de 2500 anos e 3000 anos atrás, e que pertencem ao acervo de museus tentando comprovar que, naquele período, o teatro de sombras já era praticado nos dois países.” Outros países como Tailândia, Taiwan, Grécia, também fazem parte dos que utilizam esta linguagem teatral. Especialmente na Indonésia e Índia o teatro de sombra tradicional tem tanto traços culturais como religiosos. The impressive and ornamental pergament puppets used in this form of shadow theatre are on display in many museums and are therefore known throughout the world.
No Ocidente, assim como no Oriente, o teatro de sombras tem uma realidade cultural constante e com um importante peso específico, apesar do diferente modo de pensar. Na Europa Ocidental o Teatro de Sombras chegou, a partir do século XVIII, por volta de 1760, provavelmente na Itália:
Na França existem dois grandes períodos. Um, em meados do século XVIII com o Teatro de Séraphin[2] e o outro, no final do século XIX, com o Chat Noir. Junto a isto aparece na Europa ao final do século XIX e início do Século XX uma grande curiosidade por tudo o que se refere a fenômenos luminosos e fantasias de sombras. Aparecem diagramas tridimensionais e, sobretudo, a lanterna mágica. [3] (ANGOLOTI, 1990: 85).
O Teatro de Sombra Contemporâneo[4] tem seus principais centros na Europa, América do Norte, Japão e Austrália. Este teatro tem três formas distintas[5]: teatro de sombras com bonecos e objetos, teatro de sombras usando somente as mãos e teatro de sombra corpórea[6] (utilizando o corpo humano).
O período crucial do Teatro de Sombras no Ocidente e que colaborou para o teatro de sombras contemporâneo aconteceu entre 1970 e 1980. Novas formas começaram a serem desenvolvidas e foram revolucionárias. O físico Dr. Rudolf Stoessel da Suíça, Luc Amorós da França e Fabrício Montecchio da Itália são personalidades artísticas de grande importância nesta virada. Independentemente, eles trabalharam ao mesmo tempo colocando em prática experimentos com lâmpadas halógenas (lâmpadas que proporcionam alta definição). A qualidade especial destas lâmpadas é que elas emitem uma luz puntiforme oferecendo assim magníficas possibilidades, entre elas, do ator-sombrista poder estar livre pelo espaço e manipular a silhueta ou o seu corpo longe da tela, não perdendo a nitidez da sombra projetada, ou ainda poder manipular a luz deixando-a longe ou perto das silhuetas transformando suas sombras, deixando-as maiores ou menores que a silhueta em tamanho normal. Este novo tipo de lâmpada trouxe muitas possibilidades e grandes mudanças para o teatro de sombras. O responsável pelas experimentações e ganho das novas transformações é o ator-sombrista, pois é ele que experimenta e coloca em prática estas mudanças. É necessário, para refletirmos sobre o contemporâneo teatro de sombras, lembrarmos do ator-sombrista no teatro de sombras tradicional.
O trabalho do ator no teatro de sombras tradicional difere em alguns pontos dependendo da localidade e da cultura.
Na China, o teatro de sombras e o teatro de marionetes estão ligados ao teatro cantado de atores. Os espetáculos, geralmente, são realizados por apenas um manipulador que é chamado de Mestre e:
Os movimentos da animação da personagem são selecionados para reproduzir os movimentos humanos no seu cotidiano. […]. O marionetista é valorizado por sua capacidade e destreza na manipulação das silhuetas, tornando-se virtuoso na medida em que reproduzir movimentos capazes de se assemelharem ao dos animais e seres humanos representados. (BELTRAME, 2005: 42 e 43).
Beltrame (2005: 44) conta que “o ator tinha início ao seu aprendizado com 4 anos de idade aprendendo com o pai ou membro da família”. Aprendia observando o trabalho do pai e fazendo rigorosos exercícios para dominar a manipulação. Assim seguia, com o pai mostrando os segredos da profissão até atingir a maturidade e conseguir seguir o ofício sozinho. Dominar a dramaturgia; aprender a confeccionar as marionetes e ser exímio manipulador estavam entre os princípios mais importantes nesta etapa de formação. Para isso eram feitos exercícios físicos diários, principalmente dos dedos, punhos e braços. Hoje, como surgiram muitas escolas e academias, as crianças maiores podem ir para escola de marionetes e lá aprenderem esta arte com reconhecidos professores.
Na Índia, os atores pertencem a castas nômades ou Brahmins e também aprendem com o marionetista Mestre, chamado de Sutradher. Devem aprender as epopéias religiosas, manipular, tocar instrumentos, cantar e recitar. São, ao mesmo tempo, cantores, manipuladores e confeccionadores das silhuetas. As silhuetas podem medir de 30 centímetros a 1,20 ou 1,50 metros; são articuladas, geralmente nos braços, pernas, às vezes nos joelhos e cintura; e normalmente são utilizadas apenas três varas de manipulação: a central que sustenta a figura, e uma em cada braço. Cada silhueta é manipulada por um ator-animador e muitas vezes um só homem manipula duas marionetes em combate, atirando uma sobre a outra. O bom marionetista, além de manter a atenção do público, deve saber provocar reações e intervenções dos espectadores. (BELTRAME, 2005: 45)
O Teatro de Sombras da Indonésia (Java) em princípio era apenas uma cerimônia religiosa simples, realizada no seio de cada família, conduzida pelo chefe da família. Depois, estas cerimônias, passaram a ser realizadas no centro da comunidade e conduzidas pelo Dalang, que é o nome dado ao manipulador que dirige estas cerimônias e apresenta os espetáculos. (AMARAL, 1996: 84) É reconhecido como artista completo e sábio venerado. É o intermediário entre os homens e os deuses.
O Dalang precisa conhecer, dominar: os 180 Lakan, narrativas contidas no Mahabharata e Ramayana; recitar parte destes textos em Kawi, Javanês antigo. Além de dominar essa língua, improvisa no dialeto local, onde acontecem as apresentações. Conhece as literaturas antigas e clássicas, as orações e oferendas que antecedem as apresentações. Compreende a filosofia de cada um dos Lakan. Conhece o significado simbólico das marionetes e das peças, adereços que integram cada cena. É cantor e sabe imitar muitas vozes para representar tantas personagens. Conhece todos os instrumentos do Gamelan as melodias correspondentes ao texto. É o chefe de orquestra – Maestro; poeta e grande orador. Sabe fazer rir, o que o obriga a estar informado sobre os acontecimentos das regiões onde vai atuar. Tem grande resistência física para poder atuar durante 9 horas sentado, com as pernas cruzadas e braços estendidos. É exímio manipulador das marionetes e as anima de forma que despertaremoção nos espectadores. Faz discursos filosóficos, explicitando as normas de sabedoria que integram as “passagens de improviso”, criando um ambiente agradável. Enfim, o Dalang tem a sensibilidade de cantor, músico, poeta, filósofo, intérprete. (BELTRAME, 2005: 50)
Tradicionalmente é o Dalang que confecciona as silhuetas, chamadas de wayang, num momento especial do ano, no final do período da colheita – final da primavera. Elas são guardadas em uma “caixa” ou “mala” que contém de 150 a 300 wayang. Em Java existem vários tipos de bonecos; Wayang purwa é o teatro de sombras. Ele foi aprimorado de tal forma que se tornou a mais alta expressão da cultura do País.
O Teatro de sombras Turco é um teatro de características populares. O ator animador também tem formação por tradição; aprende com o mestre, observando as apresentações. O personagem principal é o Karagoz. O manipulador faz todas as personagens e indica a hora de atuação dos músicos. É um teatro sustentado pelo ator/manipulador. And[7] (2005: 32)) diz que “O animador[8] do Karagóz é criador e intérprete total.” O espetáculo é centrado na sua capacidade de improvisar, provocar riso, interpretar tantas personagens. A preparação se dá diretamente com o público, testando os truques, as gags, situações que mantém a atenção do público. É um artista que vive de seu trabalho. It is more down to earth and its purpose is to entertain – it is “theatre”.
As pesquisas mostram que o teatro de sombras tradicional é apresentado em cerimônias religiosas e no culto aos antepassados. O ofício do ator-sombrista é transmitido de geração para geração e sua característica fundamental é sua habilidade de cantor, dançarino, intérprete e narrador[9]. O ator-animador, o Mestre, tem posição privilegiada em todas as culturas orientais em que existe teatro de sombras. Em Java e Índia, principalmente, este artista é a síntese da consciência coletiva. Ele capta os desejos dos espectadores, canaliza suas vontades e exalta os desejos comuns. Disciplina e rigor são características marcantes da preparação técnica do ator-sombrista.
O Teatro de Sombras Tradicional tem mudado consideravelmente nos últimos 30 anos e a principal razão para este acontecimento, como foi dito anteriormente, foi a descoberta da lâmpada halógena, que possui luz branca e brilhante, transmite uma luz puntiforme e possibilita realçar as cores e os objetos com eficiência energética maior do que a das lâmpadas comuns.
A primeira mudança ocasionada em função da descoberta desta lâmpada é que a silhueta/objeto/corpo não necessita mais estar perto da tela para ter nitidez, ela pode estar em qualquer lugar do espaço e continuará tendo uma boa definição[10].
A segunda transformação é que agora se pode trabalhar com objetos com rotação em seu próprio eixo interno, podendo dar à silhueta uma qualidade tridimensional, não utilizando somente silhuetas chapadas. “A sombra à qual se está jogando significados tem profundidade espacial e movimento em perspectiva”[11]
E uma terceira mudança importante é que o ator-sombrista, enquanto segura com uma das mãos a silhueta distante da tela, com a outra ele pode, sem nenhum problema, controlar a luz e segui-la. Antes a silhueta era o elemento mais importante para o ator-animador, agora a ferramenta principal tornou-se a luz. Surgiram aí, muitas possibilidades de manipulações para a projeção da sombra.
A partir destas transformações surgiram novas possibilidades para se fazer teatro de sombras. A (quase) eterna tela retangular deu lugar a outras formas de tela, que também se tornaram móveis, além da utilização de outros materiais para fazer as silhuetas que ninguém tinha pensado antes como madeira, metal, papel e até mesmo plásticos.
Com todas estas mudanças o ator-sombrista conseguiu romper uma barreira: a projeção das silhuetas somente atrás da tela. Na contemporaneidade o ator-sombrista pode tornar visível todos os movimentos feitos por ele. A execução inteira torna-se um ato teatral e não há nenhum movimento que não seja dramaticamente motivado. “O resultado é um jogo em vários níveis: as silhuetas na tela são acompanhadas diretamente pela tecnologia do jogo, pela atuação e pela narração.”[12] (REUSCH, Rainer, 2009, tradução nossa). No entanto, hoje a relação do ator-sombrista com a luz, com a silhueta, com a imagem da sombra deve ser redefinida.
Estas relações citadas vêm sendo estudadas por alguns grupos que pesquisam, estudam e atuam no teatro de sombras contemporâneo. Um destes grupos responsáveis pelas transformações e que rompeu com as convenções do teatro de sombras tradicional europeu, no qual a projeção de sombras acontece sempre em telas fixas, com a luz também fixa, é o Teatro Gioco Vita[13]. Ana Maria Amaral[14] resume no seu livro Teatro de Animação, como o grupo trabalha:
Em seus espetáculos, a luz varia sempre, seja em relação ao espaço (também variável), seja em relação às qualidades técnicas dos focos de luz. As telas ou telões de projeção passaram a ser também móveis e com dimensões sempre surpreendentes. Atenção especial foi dada, às sempre mutantes relações entre o corpo do ator-manipulador, o boneco/objeto, e suas respectivas sombras. (AMARAL, 1997: 112)
Montecchio (2007: 72) esclarece a importância de quem se propõe a fazer teatro de sombras dizendo que devem estar conscientes das responsabilidades que os cabem: “tudo depende da consciência com que o usamos, da nossa capacidade de compreender e transmitir o seu fruto original, o acontecer como experiência necessária.”
É interessante a maneira que o Teatro Gioco Vita chegou a algumas respostas para questionamentos internos do grupo. Foi através de um equívoco descoberto por Montecchio nas suas experimentações e pesquisas: “considerar o teatro de sombras um espetáculo de imagens”. (MONTECCHIO, 2007: 67). Ele cita Jean-Pierre Lescot como sendo o responsável pelo despertar da curiosidade sobre o mundo fascinante das sombras, mas foram as imagens de Chat Noir que o impulsionaram para perceber o “grande potencial representativo do teatro de sombras”.
Torna-se importante a reflexão que Montecchio faz de duas fotografias mostrando pontos diferenciais entre Chat Noir, que mostra a atuação dos animadores atrás da tela, separados dos espectadores; e do Teatro de Sombras Javanês que mostra o Dalang, os músicos e os espectadores num mesmo espaço. Neste caso a tela posta no meio da sala une, não divide. No Chat Noir os animadores estão vestidos com ternos, executando suas funções, porém eles parecem operar a silhueta como uma máquina: movem alavancas, pistas, trilhos dando movimento a pequenos autônomos de papelão, não parecendo uma cena teatral. Nesta máquina, o animador é como uma parte do mecanismo e dele depende. “Ele é a energia motriz (e isto talvez garanta a teatralidade do evento), mas tem dificuldade de ser também energia vital: alma” (MONTECCHIO, 2007: 70) O teatro de sombras ao transformar a sua natureza orgânica em algo mecânico desvitaliza-se e, aos poucos, perde em teatralidade. Já no teatro de sombras Javanês o Dalang transmite a sua energia vital a quem assiste, filtrada ou não pela tela. “A tela, nesta e em todas as formas de teatro de sombras oriental, é o local de encontro entre quem representa e quem assiste; as sombras não devem interferir; mas favorecer esta comunhão.” (MONTECCHIO, 2007:72) No Chat Noir, Montecchio (2007:72) afirma através da análise da foto que “o olhar do espectador não atravessava a tela para buscar além: parava nela, completamente absorvido pela imagem hipersaturada. A tela produzia imagens de grande impacto visual que sugava o seu próprio criador: o animador”. No entanto, o ato teatral era incompleto, pois não acontecia o encontro de olhares, a comunhão, o que é condição imprescindível do teatro.
A partir destas análises uma pergunta permeou o caminho do Gioco Vita: como restabelecer “o encontro de olhares” sem ter que renunciar à força espetacular das imagens? Duas respostas vieram progressivamente: a ruptura do espaço e o percurso da sombra corpórea. A ruptura do espaço ocorreu primeiramente com o movimento da tela e depois o rompimento definitivo do espaço tradicional para dar evidência corpórea ao animador e uma espacialidade diferente às sombras. Com a ruptura da tela, a sombra habita o espaço e não somente a superfície. O espaço da cena acontece em toda a tridimensionalidade, e o animador é recolocado no centro, o criador de tudo o que ocorre. O percurso da sombra corpórea trouxe novas concepções para a sombra, agora ela era matéria viva e, na cena, fugia às formas de domínio tradicionais:
O animador estava, então, no centro de uma narração complexa, administrando simultaneamente o espaço e o tempo “aqui e agora” da ação cênica e o espaço e tempo “diverso” das sombras. Depois do espaço, a relação tempo-movimento também era rompida: cabia ao animador administrar o conjunto de possibilidades que esta fragmentação de códigos havia criado. (MONTECCHIO, 2007: 75)
Aqui no Brasil o grupo que está pesquisando com maior afinco o Teatro de Sombras é a Cia Teatro LUMBRA de Porto Alegre. Alexandre Fávero desde o ano de 2000 desenvolve, permanentemente, a pesquisa e o experimentalismo avançado da dramaturgia deste teatro de animação. O grupo tem em seu repertório cinco espetáculos e dentre eles, quatro são com a linguagem do teatro de sombras. O interessante do trabalho do grupo são as diversas técnicas utilizadas nos espetáculos nas quais o ator-sombrista ora manipula a silhueta, ora manipula a luz, ora manipula seu próprio corpo, ora manipula as telas de diversas formas e tamanho para projetar a sombra. Muitas são as qualidades que aproximam a Cia Teatro LUMBRA ao Teatro Gioco Vita. Entre elas, as experimentações com o que é contemporâneo e que trazem maior dinamismo às cenas do teatro de sombras.
Assistindo o espetáculo Salamanca do Jarau do Grupo LUMBRA, percebi que existe uma diferença de tempo que separa a voz do ator para a voz que deve ser transmitida para a sombra e esta para o espectador. Isso me trouxe questionamentos sobre como o ator-sombrista deve trabalhar para conseguir passar uma veracidade para a sombra e transmitir organicidade ao espectador. Fiquei ainda mais instigada querendo pesquisar quais são as relações que ligam o sombrista à silhueta, à sombra de seu corpo, à sua voz, ao seu corpo e como se estabelecem estas relações no processo de criação do espetáculo de teatro de sombra contemporâneo considerando as premissas necessárias, entre elas: espaço, iluminação, dramaturgia, voz e cenário. Algumas respostas obtive com a pesquisa teórica: como por exemplo, que a iluminação e o espaço ampliaram as possibilidades de criação fazendo com que o ator-sombrista tenha que trabalhar muito mais seu corpo buscando ainda mais precisão, pois ele agora se movimenta para longe da tela também, não fica simplesmente perto da tela movimentando-se somente na horizontal ou vertical. Ele tem todas as potencialidades de movimentação de acordo com o espaço[15] criado.
Como atriz me instiga a maneira de como trabalhar com os personagens em cena, tanto com as silhuetas como com o próprio corpo, pois o ator é sujeito e objeto do seu ato de criação. […] o ator-animador é sujeito e o objeto é a silhueta, mas não é a silhueta objeto (forma), porém sombra, impalpável. Na atuação, o olhar do interprete deve controlar a imagem projetada na tela, a sombra; e o movimento da silhueta nem sempre condiz com o movimento da sombra/imagem (BELTRAME, 2005:52). Sem corpo não há sombra. No teatro de sombras é preciso haver uma inversão: a sombra é o próprio corpo. Ela tem e ao mesmo tempo gera vida independente da matriz. Quando a sombra é animada com alto grau de qualidade, não a olhamos como algo que tem uma matriz, mas ela é a própria matriz. Ela ganha vida de tal maneira que o conteúdo lhe é intrínseco. (PRADO apud BELTRAME, 2005:94)
Montecchi (MÓIN-MÓIN: 2007,71) afirma: Na cena, o ato de criação realiza-se graças à presença irrenunciável do animador, que se faz portador do “aqui e agora”. É aquele que testemunha, com o próprio trabalho, a realidade absoluta da sombra, o seu acontecer como experiência visual autêntica. A sombra existe somente no instante em que é fruída, não mais. Existe no instante em que o animador a recria para quem veio encontrá-lo. Esse é o teatro de Sombras.
Muitos questionamentos ainda existem, mais reflexões estão por vir para se conseguir chegar a uma, quem sabe, possível resposta de duas perguntas: como conseguir fazer esta sombra fruir? Como deve ser o trabalho corporal do ator-sombrista no ato de criação para atingir a realidade absoluta da sombra?
* Artigo Publicado nos Anais da II Jornada Latino Americana de Estudos Teatrais 2009. Disponível originalmente no blog d’o Coletivo CIGA-NOS
[1] O termo para quem manipula o objeto/corpo ou boneco que dará forma à sombra ainda não foi definido concisamente, Beltrame (2001) utiliza-se de ator-manipulador, Alexandre Fávero (Grupo Teatro LUMBRA) de sombrista e Montecchi (Teatro Gioco Vita) chama de animador. Para o presente estudo vou chamar de ator-sombrista, justamente por me referir ao Teatro de Sombras e diferenciá-lo dos atores que manipulam ou animam objetos e bonecos sem precisarem se preocupar com a projeção destes com a interferência da luz.
[2] Segundo Marise Badiou (2004), Séraphin criava autênticos espetáculos com silhueta que, no princípio, realizava recortando finas chapas de ferro e montando-as sobre um pedestal.
[3] “Em Francia existen dos grandes períodos. Uno hacia mediados del XVIII, com el teatro de Séraphin, y el outro, hacia finales del XIX, com el Chat Noir. Junto a esto aparece en Europa a finales del XIX y princípios del XX uma gran curiosidad por todo lo que suponga fenômenos luminosos y fantasias de sombras. Aparecem los diagrams tridimensionales y, sobre todo, la linterna mágica”. (ANGOLOTI, 1990; 85)
[4] No dicionário HOUAISS (2001: 817) significa que ou o que viveu ou existiu na mesma época; que ou o que é do tempo atual.
[5] Classificação retirada do artigo “The Development of Contemporary European Sahdow Theatre” escrito por Rainer Reusch que é diretor do Centro Internacional do Teatro de Sombra na Alemanha.
[6] Tipo de teatro de sombras que segundo Reusch (p.1) in: “The Development of Contemporary European Sahdow Theatre” está se tornando cada vez mais popular.
[7] Metin And é pesquisador do Teatro de Karagoz (expressão popular turca) e professor da Universidade de Ankara – Turquia.
[8] Segundo Metin And (BELTRAME, 2005: 32,33) o animador é autor ou dramaturgo, é diretor; cenógrafo; ensaiador geral; decorador; manipulador central que reúne e coordena, fazendo ligações dos diversos elementos cênicos; é músico; é ator e modifica a voz par que cada personagem seja reconhecido em cena; é um clown; coreógrafo, compositor de danças e de divertimentos; é desenhista, pintor; é artesão de couro para confeccionar as figuras em pele de camelo; é diretor geral de iluminação; é técnico para efeitos especiais e ruídos, é diretor artístico e diretor administrativo.
[9] Mais detalhes sobre o ator no oriente em BELTRAME, 2005: 40-55
[10] Antes da descoberta da lâmpada halógena as silhuetas precisavam ficar o mais próximo da tela, pois quanto mais afastada menos definição ela tinha.
[11] “The shadow which is cast purports to have spatial depth and the perspective moves.” (REUSCH, Rainer. In: : http://www.schattentheater.de/files/englisch/geschichte/geschichte.php)
[12] “The result is a play on various levels: the silhouettes on the screen are accompanied by the candid technology of the play, by acting and by narration.” (REUSCH, Rainer. In: : http://www.schattentheater.de/files/englisch/geschichte/geschichte.php)
[13] Teatro Gioco Vita foi fundado em 1970 como um grupo de teatro de animação, voltado para escolas, expressando-se através de bonecos de vara, luvas e marionetes. A partir de 1976, depois de um encontro com Jean-Pierre Lescot, num Festival de Charleville-Mézières, O Teatro Gioco vita Passou a se dedicar exclusivamente a pesquisas com sombras.
[14] Professora de Teatro de Animação na Escola de Comunicações e Artes da USP e diretora e dramaturga de teatro de bonecos, objetos e máscaras.
[15] O Espaço no caso do Teatro de Sombras é delimitado pelo tipo, tamanho, quantidade e localização das telas utilizadas. Por exemplo: hoje as projeções podem acontecerem em paredes de prédios altíssimos.